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B10: Os debates sobre o combustível de referência não devem atrasar a adoção de limites de emissão rigorosos para veículos pesados no Brasil

Com a publicação da regra final das normas de emissão China VI em 28 de junho de 2018, o Brasil assume a vergonhosa posição de ser o último grande mercado automotivo sem limites de emissão equivalentes ao Euro VI para ônibus e caminhões. Os benefícios das normas Euro VI estão bem documentados e a adoção de regulamentação equivalente no Brasil traria melhorias significativas no desempenho ambiental dos novos veículos pesados vendidos no país, levando a uma melhor qualidade do ar e saúde pública.

Os órgãos reguladores brasileiros estão desenvolvendo a próxima fase do Programa de Controle da Poluição do Ar por Veículos Automotores (PROCONVE) para veículos pesados, P-8. Uma proposta de limites para esta nova fase foi apresentada e submetida a consulta pública pelo IBAMA, a agência do Ministério do Meio Ambiente responsável pela coordenação do PROCONVE. Após um período de consulta pública, estão em andamento discussões para finalizar a proposta a ser submetida ao CONAMA, o Conselho Nacional do Meio Ambiente do Brasil, órgão colegiado que delibera, no âmbito de sua competência, sobre normas e padrões compatíveis com o meio ambiente.

Para proteger a saúde pública, é importante que os limites P-8 sejam adotados e implementados o quanto antes, e que esses limites sigam, na medida do possível, o já consolidado regulamento Euro VI. Na Europa, os padrões Euro VI têm se mostrado muito eficazes no controle de emissões de poluentes veículos pesados graças a limites de emissões rigorosos e de outros requisitos que garantem um melhor controle das emissões em condições reais. A fim de realizar plenamente esse nível de controle de emissões no Brasil, os limites de emissão, os procedimentos de teste de certificação, os requisitos de teste de conformidade em serviço e outras disposições estabelecidas pelas normas Euro VI devem ser adotadas no desenvolvimento da fase P-8.

Um ponto que tem sido levantado na elaboração da proposta para P-8 refere-se às especificações para o combustível utilizado durante os ensaios de certificação, em especial, quanto ao teor de biodiesel do combustível de referência. No Brasil, cabe ao CONAMA a indicação dos combustíveis de referência apropriados para atendimento aos limites de emissão e compete à Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) definir suas especificações. Atualmente, o combustível diesel de referência é o B0, não incluindo requisitos para a mistura de biodiesel. Este combustível não corresponde à especificação do teor da mistura para o diesel comercial vendido no país, que atualmente exige 10% de biodiesel (B10). Além disso, as atuais especificações do diesel de referência também não correspondem àquelas incluídas nas normas Euro VI, que estabelece 7% de mistura de biodiesel (B7).

Há questões em aberto relacionadas à introdução de novas especificações de combustível de referência e ao requisito de teor de biodiesel que será adotado na nova especificação. As discussões sobre o conteúdo do biodiesel giram em torno do B10 que poderia ser selecionado para corresponder ao diesel comercial vendido no Brasil, ou o B7 para atender às especificações de referência de combustível incluídas na norma Euro VI. Idealmente, as especificações de combustível de referência deveriam corresponder às dos combustíveis comerciais. No entanto, a legislação brasileira atual estabelece o prazo mínimo de três anos de antecedência entre a especificação de um novo combustível de referência e sua utilização para fins de homologação. Portanto, esse cronograma para novas especificações do combustível diesel de referência, seja B7 ou B10, poderia postergar desnecessariamente a implementação do P-8.

Esse atraso deve ser evitado. Misturas de biodiesel nos níveis que estão sendo discutidos, entre 0% e 10%, terão um impacto quase nulo ou relativamente baixo nas emissões. Pesquisas têm apontado que os níveis mais elevados de mistura de biodiesel tendem a diminuir as emissões de material particulado, de hidrocarbonetos e de monóxido de carbono e tendem a aumentar modestamente as emissões de óxidos de nitrogênio (NOx) em relação ao diesel de petróleo. No entanto, estes efeitos são relativamente pequenos para os níveis baixos de mistura considerados. Por exemplo, uma pesquisa recente sobre os combustíveis B5 e B10 da California Air Resources Board (CARB) revelou que a mistura de biodiesel nesses níveis tem efeitos relativamente pequenos sobre emissões de NOx. O gráfico abaixo mostra os resultados dos testes do CARB. Em geral, para os combustíveis B5 e B10, as emissões de NOx aumentaram, mas a mudança relativa foi em geral pequena, com alguma variabilidade de acordo com o nível da mistura, da matéria-prima utilizada na produção do biodiesel, e do ciclo de funcionamento do motor.

Chart: Effect of biodiesel blend level on NOx emissions from a model year 2006 diesel engine.

Efeito do nível de biodiesel mistura de emissões de NOx em um motor diesel modelo 2006. Cada ponto mostra a mudança nas emissões medidas para um determinado nível de mistura de biodiesel em relação ao combustível diesel B0 para um determinado ciclo de funcionamento do motor. O motor de teste não foi equipado com tecnologias de controle de emissões de pós-tratamento necessárias para atender aos padrões de emissão Euro VI, como um sistema de redução catalítica seletiva ou filtro de partículas diesel. O uso dessas tecnologias pode quase eliminar os efeitos do combustível nas emissões. Fonte: California Air Resources Board.

Esses testes foram realizados em um motor que não foi equipado com as tecnologias de pós-tratamento de controle necessárias para atender aos limites de emissão do Euro VI, tais como os sistemas de redução catalítica seletivo e filtros de partículas. O uso dessas tecnologias de controle avançadas reduz muito as emissões dos motores a diesel e quase elimina qualquer efeito do combustível nas emissões.

Testes e estudos semelhantes foram conduzidos no Brasil para validar a utilização de diferentes teores de biodiesel (B10, B15, e B20), contando com a participação de diversos Ministérios, ANP, IBAMA, fabricantes de veículos e autopeças, produtores de biodiesel, distribuidores de combustíveis e da academia. Os resultados para as diferentes amostras de B10 indicam que não houve qualquer problema reportado pelas empresas durante os testes, tendo sido aprovada essa mistura. Nesses testes conduzidos, a manutenção dos padrões de emissões regulamentados foi avaliada por diversas montadoras. Essas avaliações envolveram não apenas a análise das emissões, mas também os eventuais efeitos sobre os sistemas de controle de emissões, como os filtros de partículas. Em todos os testes realizados, concluiu-se que a utilização do B10 não compromete as emissões gasosas e de fuligem, e nem o funcionamento adequado dos sistemas de pós-tratamento.

Os órgãos reguladores brasileiros não precisam esperar as novas especificações do diesel de referência pela ANP para implementarem as normas de emissão P-8. Tendo em conta o efeito esperado pouco significativo nas emissões para baixas misturas de biodiesel nos motores diesel equipados com tecnologias avançadas de controle de emissões, não há razão para postergar a homologação de motores P-8 aguardando o cumprimento do prazo relacionado às especificações de combustível diesel de referência. Neste caso, o diesel de referência atual (B0) poderia ser usado para testes de certificação P-8 até que a nova especificação de referência de diesel seja disponibilizada.

No desenvolvimento de novas especificações, cabe ao IBAMA determinar o nível de mistura de biodiesel em 7% (B7) ou 10% (B10) do combustível de referência para ensaios de homologação e à ANP sua especificação. Embora possa parecer uma diferença relativamente pequena na mistura, quaisquer mudanças nas especificações de combustível incluídas no regulamento da Euro VI poderiam ser utilizadas como argumento para os fabricantes de veículos e motores para o enfraquecimento dos requisitos que tornam a norma efetiva. Como o biodiesel tem propriedades químicas e físicas diferentes das observadas nos combustíveis diesel derivados do petróleo, as misturas de biodiesel poderiam afetar o desempenho e a durabilidade dos motores a diesel. Os fabricantes de motores geralmente são resistentes a misturas de biodiesel de maior nível. Embora faça sentido para o Brasil adotar o B10 como a especificação de combustível de referência, a fim de igualar ao diesel comercial vendido no país, ou mesmo o B7 para equiparar ao combustível de referência do Euro VI, essa escolha não deve ser feita às custas do enfraquecimento da regulamentação do P-8.

Com o desenvolvimento dos padrões PROCONVE P-8, o Brasil tem a oportunidade de acompanhar outros importantes mercados de veículos no que se refere ao controle das emissões de poluentes atmosféricos de ônibus e caminhões. Para obter os maiores benefícios dessa fase, os reguladores brasileiros devem se esforçar para implementar a norma P-8 o mais rápido possível, mantendo a consistência com o regulamento Euro VI. Questões ainda não equacionadas sobre o cronograma para novas especificações de diesel de referência e os níveis de mistura de biodiesel não devem impedir ou retardar esses objetivos.

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