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Jogos sujos: uma proposta de lei para revogar as restrições aos carros a diesel no Brasil

Coincidência ou não, enquanto os brasileiros estão distraídos pelo impeachment da presidenta Dilma Rousseff, tumultos políticos, recessão econômica, Olimpíadas e o Zika, uma comissão especial na Câmara dos Deputados–sim, alguns ainda trabalham–recentemente propôs uma lei (PL 1013/2011) que libera a comercialização de carros a diesel no Brasil. Essa sempre foi uma ideia terrível, como identificamos aqui, e o batuque contínuo da mídia sobre a poluição dos carros a diesel na Europa e Estados Unidos solidifica tal fato.
 
A restrição aos carros a diesel existe desde os anos 70 para reduzir a dependência ao petróleo importado. Para ser mais preciso, o que é restringido é a comercialização do diesel para uso em veículos com pequena capacidade de carga, mas o efeito é a limitação das vendas de carros a diesel, uma vez que não se pode (a princípio) comprar combustível para seu uso. No entanto, a tecnologia diesel tem penetrado a frota através de brechas técnicas na lei. Já que a restrição ao combustível é aplicada a veículos com capacidade de carga abaixo de 1.000 kg, algumas SUVs e picapes entram no mercado como veículos comerciais leves. Veículos a diesel já representam 6% das vendas de veículos leves (carros e comerciais leves), e 16% dos comerciais leves, muitos usados para o transporte de passageiros.
 
Ironicamente, dois dias antes da Agência de Proteção do Meio Ambiente dos Estados Unidos (EPA) e o Conselho de Recursos do Ar da Califórnia (CARB) anunciarem que a Volkswagen havia instalado dispositivos para alterar as emissões em seus carros a diesel nos Estados Unidos, uma comissão especial na Câmara dos Deputados do Brasil foi criada para avaliar a revogação das restrições à venda do diesel para carros. A Volkswagen subsequentemente admitiu a instalação do software em 11 milhões de carros mundialmente, incluindo a Amarok no Brasil. Agora, mesmo com a mídia internacional iluminando o péssimo desempenho ambiental dos carros a diesel, e muitas agências governamentais mundialmente terem dificuldade em controlar as emissões dos carros a diesel, ou proibirem os carros a diesel completamente, tal comissão propôs a liberação dos carros a diesel.
 
Carros a diesel no Brasil sempre foram uma péssima ideia do ponto de vista econômico, ambiental, e de saúde pública. O Brasil importou 19% de todo diesel vendido no país em 2014, e uma maior demanda significaria ainda mais importações e um aumento do déficit comercial. Maior demanda para carros a diesel também aumentaria a demanda do diesel, criando competição com o frete e transporte público. Sob uma perspectiva ambiental, mais carros a diesel na rua exacerbariam a mudança climática, já que o diesel substituiria uma parcela do etanol, que possui claros benefícios climáticos sobre o diesel. A gasolina no Brasil atualmente contém 27% de etanol (E27), e quase todos os carros novos no Brasil são flex, podendo utilizar qualquer combinação de gasolina ou etanol puro (E100). Dependendo do volume de vendas de carros a diesel, as emissões de dióxido de carbono (CO2) poderiam aumentar entre 5% e 22% em 2050.
 

No entanto, o impacto mais grave dos carros a diesel seria na qualidade do ar e na saúde pública. Apesar dos carros a diesel representarem cerca de 6% das vendas de veículos leves novos no Brasil, estimamos que eles são responsáveis por 30% das emissões de óxidos de nitrogênio (NOx) e 65% do material particulado (PM2,5) dos veículos leves novos, dois dos poluentes mais nocivos à saúde humana. Qualquer aumento do número de carros a diesel exacerbaria esse problema.
 
Na Europa, onde os carros a diesel representam cerca de metade da frota, eles emitem em média sete vezes mais NOX em condições normais de uso do que os limites de certificação. E, como os resultados dos programas de testes pós-VW na Alemanha, Reino Unido, e França mostram, o problema não é limitado a uma única montadora ou a um número pequeno de modelos. Com relação às emissões de partículas finas, classificadas como carcinógenos pela Organização Mundial da Saúde (OMS), os limites de certificação dos veículos leves a diesel vendidos no Brasil hoje seriam quase 30 vezes maiores do que os limites para um motor flex ou gasolina. Estimamos que a venda crescente de carros a diesel no Brasil em níveis equivalentes aos europeus resultaria em 150.000 mortes prematuras até 2050 devido à exposição ao PM2,5 oriundo do diesel em centros urbanos.
 
A restrição aos carros a diesel no Brasil limitou seus impactos negativos no Brasil, especialmente quando comparados a regiões como Europa ou Índia onde políticas de apoio à ampla comercialização do diesel juntamente a normas de emissões veiculares frouxas contribuíram para severos problemas da qualidade do ar. Todavia, apesar do progresso atingido pelo PROCONVE, o programa brasileiro de controle de emissões veiculares, a qualidade do ar em muitas cidades brasileiras ainda não cumpre com as recomendações da OMS. A expansão do mercado de carros a diesel somente pioraria tal problema.
 
Antes de considerar a revogação das restrições aos carros a diesel, as autoridades brasileiras deveriam adotar padrões exigentes de emissões veiculares (equivalentes às normas U.S. Tier 2 ou Euro 6) e completamente eliminar a distribuição do diesel S500 (ainda vendido fora das grandes cidades) para proteger os brasileiros contra os piores impactos dos veículos a diesel na qualidade do ar e saúde. As autoridades também deveriam aprender com a crise europeia com as emissões no mundo real e implementar um programa de conformidade e fiscalização efetivo, para garantir que as emissões dos veículos a diesel em condições normais de uso não ultrapassem os limites de certificação. Até que padrões exigentes sobre veículos e combustíveis efetivamente controlem as emissões do diesel, a revogação das restrições aos carros a diesel contradiz os objetivos ambientais e de saúde pública.

 

 

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